quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Porque a minha bela adormecida não é igual à tua...


Hoje encontrei a bela adormecida morta. Ou melhor adormecida. Devia estar à espera que meu vergasse sobre e a beijasse. Mas esquece-se que no mundo onde ela vive todos se baixam, todos se respeitam, todos sabem o significado da palavra igualdade. Mas no mundo, não me vergo sobre ninguém.
Tentei chorar, mas não consegui. Ainda assim fiz uma cara triste.
Gostava da forma como ela estava vestida. Como dispunha as mãos sobre o corpo. Como tinha pousada a cabeça.
A forma como fechava os olhos davam-lhe um ar quase patético, mas era querido… Tava a dormir para esta vida.
Em vez dos sapatos de salto alto, tinha uns ténis rotos e sujos.
Em vez de um grande e brilhante vestido tinha uns jeans rasgados, um top branco e uma coisa estranha ao pescoço, mais parecido com um aparelho genital do que com outra coisa.
Era estranho, mas nem o penteado era como me tinhas contado. Tinha um cabelo rosa quase como uma boneca cheio de totós e tinhas as unhas pintadas de vermelho!
Acho que me enganei na porta. Afinal não entrei no meu mundo infantil.
Entrei no meu mundo mais maduro, mas porco, mais estranho
Aquela não era a bela adormecida.
Era uma puta victoriana que tinha acabado de morrer.
Era a imagem de uma idade, de um século de uma geração, de uma coisa estranha que jamais irei perceber. Uma coisa a que chamam de Vida…

!La Roux!



Gosto…
da maneira como coisas estranhas fazem um sentido estético único.
da loucura tornada extravagância.
da inconsciência tornada atitude.
da rebeldia feita arte.
da maneira como coisas estranhas fazem um sentido estético único.
A loucura feita ciência.
O preconceito virado criatividade.
O papel higiénico tornado tese.
A infantilidade casada com a maturidade.
A ignorância feita imaginação.
A diferença feita em algo único
A procura dentro do W.C. da nossa consciência.
A escarreta feita oceano.
O mijo feito néctar.
O escuro feito discoteca techno.
O azedo tornado apetecível.
O estranho, confortável.
O oprimido, aproximado.
O deficiente, único.
O invulgar, vulgar.
O pisado, elevado.
O avariado feito máquina do tempo.
O lixo feito pastilha de pensamento.
O asqueroso tornado íman.
O preto feito rosa.
O transparente feito visível.
Do estranho feito normal.
Do anormal matar o normal!
Do diferente esfaquear o igual!!!

domingo, 14 de fevereiro de 2010

O sítio do farol vermelho


Era um farol grande, vermelho e gasto. Gasto pelas paredes de um qualquer tempo e lembrado nos recônditos de toda e qualquer memória que por ele se cativasse. Nele estava escrito como numa árvore velha memórias de amor deixados, lamentações de alguém abandonado ou afirmações de quem quer esquecer o que viveu… Quem quer que morasse naquela vila, sabia decor o “sítio do farol vermelho”. Era lá que tudo acontecia e era lá onde tudo se perdia.
Todos queriam ir ao farol apreciar-lhe a altura.
Todos queriam ir ao farol para ver as marés nascer e a areia a perder as suas venturas.
Todos queriam admirar o horizonte longínquo e escrever no céu o que lhes ia na alma.
Todos queriam ir aio farol para pensar, viver, namorar, nascer outra vez, recordar…
O farol abria às 6h30 e fechava às 22h.
Depois das 22h, todos o apreciavam das janelas da sua casa e lhes prometiam cenas para o dia seguinte.
Depois das 22h, bastava a alguns olharem para ele para recordarem aquele dia.
Depois das 22h, velhos, novos, pequenos e graúdos, soluçavam contos e recordações, teciam memórias e histórias sob a sombra do farol.
Ninguém sabe quem criou o farol.
Diz-se ter sido criado pela própria vida, pelas aventuras, pelos amores e desamores que precisavam de ser escritos ou riscados, memorizados ou largados à mercê do destino.
Era o maior e mais especial farol. Nem centenas e centenas de livros, ocupavam as frases que ali foram roubadas pelo tempo nem deixadas pelo destino ou até marcados pelas vidas… Era a vida do farol. O farol que fazia as vidas.
Era o farol da minha aldeia.
Era o farol da minha memória.
Era o farol da minha vida.
Era o meu farol. O meu grande e vermelho, distante e imaginado farol…

O século das minhas paredes


Vivia num século que os outros desconheciam. Pelo menos, a maior parte. Acredito que houvesse alguém como ela, mas não acredito que alguém vivesse como ela.
Viva num século que os outros desconheciam. Não acreditava que a televisão fosse a verdadeira invenção. Teimava em tecer horas e horas paninhos de renda, e acreditava que o seu futuro e a sua riqueza estavam envoltos nos novelos que fazia. Utilizava meias de renda, dormia num sofá vermelho a olhar o vago horizonte e quando lhe apetecia soltava gemidos de um piano desafinado que o avô lhe dera. Era pobre, mas não se achava. Vivia rica, pobremente com as coisas que mais gostava. Só tinha uma boneca e com ela já tinha vivido mais de 1001 histórias, mas acreditava sempre que a verdadeira ainda não foi contada. Tinha apenas um livro de capa amarela, que a cativara pelo seu aspecto antigo, pela imagem de uma mala aberta e pelas suas páginas com cheiro a memória. Não tinha título pois perdera-se as letras com o tempo, mas falava de uma viagem e de um ninguém que se tornara alguém por descobrir que andar é melhor que descansar. Enfim, dizia ela que era o livro da sua vida… E assim de coisas simples, mas ricas para ela, vagueava feliz pela sua casa de campo e passeava os seus cabelos ruivos pelos prados sozinha, a descobrir o que falta para descobrir, ou imaginar o que falta para criar, ou quem sabe viver e sentir de novo a alegria. Mais uma alegria para o seu saquinho de felicidade, mais um momento para recordar, mais uma hora que passou, mais um dia que falta viver, uma imagem para conhecer, um amor para lembrar… Nem que seja o amor de nós próprios reflectido no mais pequeno dos lagos, na mais funda das poças ou na mais cheia das gotas…

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Vago sonho agora acordado


Uma mala vazia, mas uma mão cheia de sonhos. Um olhar perdido, mas uma consciência desperta. Respira fundo, olha em direcção ao comboio que está para vir. Como quem não quer a coisa, levanta-se. Vai até à linha. Volta a olhar o horizonte. Está à espera de algo. Ela sabe que vem algo, alguém ou alguma coisa… Será que é o comboio, ou será quem está dentro do comboio… Será que está à espera de ver uma mensagem passar no vago céu azul? Será que se vai mandar? Contempla e pensa: “Não, ainda não. Pelo menos por agora”. Tira um cigarro, dá uma passa e vê o fumo a ir embora, as emoções a evaporar, a tranquilidade a despertar…

Ele vem aí

Uma coisa inusitada e estranha…
Uma coisa à espera de sair
Algum som vindo de qualquer lado
murmúrios adormecidos nascendo para o falar morrendo para o grito
Uma coisa vem aí…
sem forma, sem cor, sem odor
Uma coisa vem aí…
é branca, preta, cinzenta
Às vezes não tem cor
Não e manifesta, mas dá avisos de quem vem aí
Tem peso de folha de árvore e atitude de gigante
Uma coisa que pode abalar mexer o mundo e trocá-lo
Talvez a terra não seja redonda e tudo faça sentido ao contrário
Ele vem aí… já o sinto… Não tarda muito está aí
Pode parecer pequeno mas vai crescer
Podemos não notá-lo mas ele já nos notou
E não vai ficar por aqui
Vai adormecer, pensar, estabilizar para não atacar
Mas vem em fúria e vai apanhar todos
Vamos todos ser vítimas de um carrasco
Nunca fez nada pela vida e vai fazer de tudo para destruir esta
Alguma manifestação de raiva. Alguma carência de amor. Qualquer carência no silêncio perdida, mostrada, desvendada
Palavras que arrastam vento
Palavras que se dizem e que se vão falando
Ele vem aí… Quando deres por ti já não há saída
Já não vai haver saída
Somos todos vítimas
Vivemos todos em conformidade
Alguns mal com os outros, mas vão parar todos ao mesmo sítio
Ele vem aí
Acreditem em mim… naquilo que lhes digo. Naquilo que sinto que está prestes a chegar
Naquilo que faz tudo… mas não avisa em nada
Naquilo que não tarda muito não bate a porta para entrar
Bate nas casas, nos postes, nas lojas para se revelar
Ele vem aí
Aí vem ele
Segundos de eternidade
Momentos de infinito

Fallen snow


Num nevoeiro escondido que se colocou por cima do seu espírito e fez crescer em si uma sensação de perda daquilo que deixara, o menino contemplou a miragem que se situava do outro lado da janela e imaginava-se a viver perante e no meio daquela imagem. Imaginava-se a mais simples e a mais mera das folhas de um qualquer Outono… Imaginava que poderia voar, que poderia olhar o mundo sem o conhecer, e que não tivesse que pensar num futuro, já que o destino em queda estava previsto, como todas as outras folhas. Como uma erva que se contenta em estar debaixo do chão, que cresce até dar há luz, e quando há luz, ao invés de levar com o sol da manhã ou com o vento de tarde, é esmagada, levado pelo convencionalismo geracional. Como um ramo que envelhece e é obrigado a contemplar sempre o mesmo espaço, encontra-o, admira-o, contempla-o, sobrevive com ele e esquece-se tanto de o ver e de pensar que em tempos o admirava pela sua simplicidade. O olhar, perseguido pelo vazio, lastima-se de si próprio e pesa-se com o silêncio de então, um murmúrio de um nada qualquer, à espera que as lágrimas lhe mudem o sentido, o contemplem, o habitem…

Alison, a ruiva


Era como um objecto de arte. Quando olhamos para um objecto de arte não olhamos para algo com a perspectiva semelhante de uma engomadeira a olhar para o seu ferro ou de um agricultor a olhar para uma enxada. Quando olhamos para um objecto de arte, a nossa imaginação floresce numa criatividade delirante e a nossa sensibilidade recorre à loucura para explicitar racionalmente um fenómeno peculiar de tal e eterna beleza.
Ela olhava para mim com o seu olhar cativante de um outro século e mantinha-se distante de todo o seu apanágio estético. Os seus olhos, cobertos sob uma mancha de rímel, uma linha que lhe destacava a fogosidade do olhar, enfeitiçaram-me o espírito. Se fosse só o espírito que ela despertara… Olhei para ela, mirei-a, desprezei-a com o olhar mas anseei-a com o sexo, e perguntam vocês porque é que tenho a mão afagada sob os pêlos dos meus genitais (ri-se)? Para ter a certeza de que existo, de que valo a pena existir para puder viver e desfrutar de momentos como estes…

Estar e não parecer

Era sempre com os mesmos pensamentos, impregnados de intenso erotismo que ela recordava aquelas noites passadas sob o sol de madrugada. A maneira como os seus pensamentos balanceavam na sua mente de menina-mulher, deleitava-a e fazia-a bambulear o corpo numa dança quase ritual. A atitude ríspida e o ego esotérico, embora vulneráveis, ofereciam-lhe uma atitude de indiferença. As roupas de mulher, pousadas sob uns seios firmes de jovem adolescente, fazia com que o desejo e a excitação daqueles que a viam, a congratulasse com sorrisos desdenhosos. O seu porte, quase neurológico e um olhar denso que vagueava inoportunamente num horizonte vago de emoções privadas, constituíam os seus faróis. A espera de alguém que ouvisse o grito silencioso dos seus lábios ou afastando tudo e todos com o seu toque de cabelo levado ao vento, ofereciam-lhe todo um semblante de magia e fascínio pouco pronunciados. Ruiva nos cabelos e nas pestanas, Alison vivia num pequeno apartamento situado nos arredores da capital. A sua postura estavam ali, mas os seus olhos indicavam outro espaço, as suas mãos outros toques, o seu nariz outros cheiros. Estava ali, mas parecia não estar… Um vulto entre um quotidiano vago, um frenesim de ideias sem sentido. Chuva em pelo verão, floco de neve sob uma praia pousada… algo que não fazia sentido, mas que lá estava e que por isso mesmo alguma coisa mudava.

Sexy Silent!

Ele não precisava de emitir nenhum gesto, de proferir nenhuma palavra. Bastava simplesmente estar ali, calado, silencioso na sua pose descontraída. Era o mais calado, mas também o mais poderoso. Todas as raparigas o desejam montar, e alguns rapazes até ficavam vidrados a contemplar-lhe a existência (Um pouco mórbida diga-se de passagem). Vestido num estilo negro, dark, nublava-lhe uma nuvem de mistério e inquietação. Era raro olhar alguém nos olhos, pois estava sempre cometido nas suas escritas, mas quando o fazia… Quando o faziam, quando o olhavam olhos nos olhos, ficavam vidrados pelo seu olhar rasgado - quase asiático -, e pela sua mistura entre ingenuidade, violência e sexualidade.
Tinha o sexo estampado em todas as suas formas e os seus braços musculados faziam querer que algum do seu tempo livre era dado a certos esforços. Todos queriam saber quem ele era, o que fazia ou o que pensava quando deambulava silenciosamente pelos corredores.
Sentava-se sempre lá atrás, o que fazia com que várias pessoas, quando a situação assim o permitia ou não, olharem para trás, tentando analisá-lo, estudá-lo e o que escrevia ele naquelas aulas de egiptologia. Para além disso, o seu perfume era natural, mas era o melhor. Um néctar criado pelos deuses e debruçado sobre tal rapaz. Um perfume misturado com uma forte essência sexual, erótica e muito, muito PROVOCATIVA!

Argola shakesperiana

É para um dos objectos mais fascinantes. Está certamente na minha lista de objectos de destaque, assim como um qualquer telefone vermelho, um casaco de cabedal, um violino, um Austin Mini Cooper, ou até uma cigarrilha. O brinco, ou melhor, a argola shakesperiana é, para mim, o objecto mais poderoso de todos. Constitui a lista daquele tipo de objectos que não são precisos nenhuns aparatos para serem grandes objectos… e atenção! Não falo naquelas argolas grandes amareladas e cheios de floreados estranhos (de ouro, acho eu ou pelo menos pintadas). Falo das pequenas argolas de prata, como as que Shakespeare tem na sua mais famosa representação. A admiração e a obsessão por este escritor nascido na Inglaterra do século XVI, faz com que ao longo da minha vida… ou melhor, a partir dos 15 anos, persiga este objecto com “unhas e dentes”. (Tenho que esperar para sair fora de casa para a fazer…).
O ar boémio, o comportamento leviano com um certo desprezo pela vida e uma pose de libertino assumido, fazem com que poetas, pintores, actores e gentes do cinema, façam deste adereço (Não é acessório. Acreditem: este objecto transforma quem o possui) um símbolo de arte, cultura e acima de tudo um símbolo do belo e de revolta. É caso para rematar: Viva a Vida!!!

Aquela bóina

Acometia-se-lhe uma estranha confortabilidade, um vago desprezo pela vida e uma sensação de libertinagem. Sentado no banco de trás do autocarro do lado direito, contemplava as imagens que passavam e esboçava sorrisos de uma qualquer satisfação. Mesmo do fundo, sozinho em toda a fileira de bancos, podia ver-se que envergava uns jeans rasgados, uns ténis sujos e desapertados, uma manga-a-cava azul escura, toda amarrotada, como se estivesse acordado agora e, por cima do seu cabelo desgrenhado, uma boina roxa estilo francês. Tal boina oferecia-lhe um ar clássico por cima de uma aparência toda ela desorganizada. Não importava que este teen tivesse desfarrapado, elegantemente vestido ou até nu. O que importava era aquela boina circular, saída de uma nouvelle vague française ou até saída de uma qualquer loja escondida sob os arredores do tempo. Arte, cultura, nível, classe, intelecto… Aquela boina era o verdadeiro aspecto a ser contemplado. Aquilo que encantava as pessoas, e que jamais se esperasse que cobrisse aquele rapaz. Uma autêntica mistura de épocas e géneros, idealismos artísticos confrontados com opiniões estéticas, um dissabor pela vida com uma vontade de viver única. Tudo era especial nesta imagem. É caso para dizer que uma imagem vale mais que 1000 palavras…. Mas muito mais. Acreditem! Muito mais…

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A minha gruta

Há grutas grandes. Há grutas pequenas. Há grutas mais ou menos grandes e grutas mais ou menos pequena. Médias, curtas, compridas… todas as grutas são espaços abertos, luzes ao fundo de um túnel qualquer. Costumo dizer que a minha esperança é uma gruta, daquelas mais ou menos compridas e daquelas mais ou menos grandes. É espaçosa, tem espaço para muita imaginação, mas também é pequena porque não tem espaço para nenhuma coragem. Todos nós temos uma luz ao fundo do túnel, uma esperança, algo que nos faça movimentar todos os dias em torno de um objectivo específico, em busca de algo ou de alguém. A minha luz, a minha esperança é a minha gruta. Vivo literalmente fechado dentro de uma gruta e preciso da porta da coragem ou da janela da atitude para descobrir a luz do dia. Quer queiramos quer não, a verdade é que a minha gruta é diferente de todas as outras. Não é escura, não é suja nem tem insectos grandes e raros. A minha gruta é alegre, grande, coberta por muita imaginação, mas incompleta. Falta-lhe a atitude. Falta-lhe a coragem de chegar ao pé de alguém e de falar, de dizer, de exprimir, de soltar, de fazer, de agir, de realizar, de tentar, de tomar, de dizer, de olhar, de esperar, de ter, de ficar…

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Bad Coffee!


A vontade de te ter, o possuir, o desejo de contigo ficar leva-me a ver a tua face em tudo, a ser encenador da minha vida, escritor da minha existência, poeta das palavras que escolho, pintor das imagens que faço perante ti. Pode ser muito estranho, mas vi a tua imagem, a nossa imagem numa mesa de um simples bar. Daqueles bares de faculdade, povoados por conversas de matéria, ou até conversas que encobrem a maioria dos adolescentes… menos eu. Ao pé de ti, não sou adolescente… Ao pé de ti, sou um bebé, com corpo de criança… Um homem, com atitude de recém-nascido, sem fala, sem gestos, amedrontado com aquilo que tu irás pensar….
O café não era muito forte. Ultimamente, as coisas em mim têm um impacto diferente e tudo me parece distante, forte, prolongado, diferente, estranho. Pedi o café, na minha pose desleixado, mas ainda assim educada e esperei que mo viessem trazer. A demora inicial fez com o olhar os mais variados sítios onde poderias estar, mas em cada um deles apenas te podia imaginar… Só imaginar…. Poderia dizer que estava a sonhar acordado e fui bruscamente despertado pelo tilintar potente da chávena contra a mesa. Considerei aquele batuque não como uma afronta ou um obstáculo contra a minha imaginação, mas como uma voz submersa da minha consciência que me dizia “Acorda”… E assim fiz eu… Pousei os olhos sobre a chávena, analisei o pacote de açúcar a testei a textura da colher de plástica contra a chávena envidraçada, como sempre fazia. Ao pousar os olhos sobre a chávena, vi na espuma do café o teu cabelo desgrenhado, na sua cor, a tez intensa do teu cabelo e no castanho mais claro o oásis dos teus olhos que me hipnotizam apenas numa fracção de segundo. Tentei então ver onde a minha imaginação dava e coloquei açúcar sobre os meus instintos. Mal-dita hora que o fiz!!! Depois daí, bebi aquele café com o maior azedume, mexendo e remexendo até te encontrar, mas nada… nada de nada. Pior ainda, uma rapariga loura com um jeito um quanto de mimada estava a fumar um cigarro e eu só pensava que a minha vida fosse assim. Estava a envelhecer, e estava a perder as cinzas, a tua imagem, por a coragem de ter e a atitude de te possuir serem invisíveis…. Pouco visíveis, ou mesmo nada visíveis…

Near to you

Perto de ti existe uma escada, um obstáculo, uma grande falésia, uma armadilha… Quem sabe, talvez algo ainda mais perigoso… Perto de ti, existe distância. Distância de quem te resiste a olhar, vergonha de quem tem medo que os olhos se cruzem e digam palavras que não querem ser ouvidas, receio de que os outros te tenham, ilusão de contigo puder ficar. Quem sabe, mais que ficar, um dia estar. Um dia encontrar, talvez até mais…
Contento-me em ouvir a tua voz, em escutar os teus gestos, em decifrar as tuas formas e os teus avisos que são tudo ilusão de um pensamento incomodado. Um pensamento tapado, ofuscado com o desejo de te ter, e amedrontado pela vontade de te querer… Não sei o que quero de ti. É isso que tento descobrir todos os dias, ficando-me pelas curtas distâncias em que ficamos, pelas fracas respirações que se entrecruzam, pelos olhos que se incomodam, pelas palavras que não são ditas, pelo fluir intenso sanguíneo, ou por algo mais que se dá em mim, mas que eu mais que perceber, não consigo descodificar. A coragem, essa, já morreu cedo… Desde que te pus os olhos em cima, não sei o que é ter consciência das atitudes, dos fracos pormenores ainda existentes que encobrem uma personalidade, das respostas divagadas mas cheias de atitude que diga. Agora… resta-me ficar tímido, calado, a pensar, a tentar entender-te, a tentar perceber-me e a tentar ver-nos os dois num só mesmo espaço. Porque palavras, essas já se foram. Agora resta só o murmúrio surdo dos lábios e o gritar silencioso dos olhares que quando se tocam, se intensificavam, se revelam, se encobrem, mas se desmancham…