domingo, 14 de fevereiro de 2010

O século das minhas paredes


Vivia num século que os outros desconheciam. Pelo menos, a maior parte. Acredito que houvesse alguém como ela, mas não acredito que alguém vivesse como ela.
Viva num século que os outros desconheciam. Não acreditava que a televisão fosse a verdadeira invenção. Teimava em tecer horas e horas paninhos de renda, e acreditava que o seu futuro e a sua riqueza estavam envoltos nos novelos que fazia. Utilizava meias de renda, dormia num sofá vermelho a olhar o vago horizonte e quando lhe apetecia soltava gemidos de um piano desafinado que o avô lhe dera. Era pobre, mas não se achava. Vivia rica, pobremente com as coisas que mais gostava. Só tinha uma boneca e com ela já tinha vivido mais de 1001 histórias, mas acreditava sempre que a verdadeira ainda não foi contada. Tinha apenas um livro de capa amarela, que a cativara pelo seu aspecto antigo, pela imagem de uma mala aberta e pelas suas páginas com cheiro a memória. Não tinha título pois perdera-se as letras com o tempo, mas falava de uma viagem e de um ninguém que se tornara alguém por descobrir que andar é melhor que descansar. Enfim, dizia ela que era o livro da sua vida… E assim de coisas simples, mas ricas para ela, vagueava feliz pela sua casa de campo e passeava os seus cabelos ruivos pelos prados sozinha, a descobrir o que falta para descobrir, ou imaginar o que falta para criar, ou quem sabe viver e sentir de novo a alegria. Mais uma alegria para o seu saquinho de felicidade, mais um momento para recordar, mais uma hora que passou, mais um dia que falta viver, uma imagem para conhecer, um amor para lembrar… Nem que seja o amor de nós próprios reflectido no mais pequeno dos lagos, na mais funda das poças ou na mais cheia das gotas…

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